Dentro
dessa espécie de guerra urbana e social contra a violência diária, contra a
marginalidade que cresce assustadoramente, contra a criminalidade que aumenta
gradativamente a todo tempo em todo lugar, comprova-se que o Estado protetor
mostra-se ineficiente para debelar tão afligente problemática e por isso teima
em produzir programas, atos e resoluções emergentes que surgem e insurgem sem
atingir os seus reais objetivos, quais sejam, beneficiar a população.
Nesse parâmetro nasceu em 8 de
Janeiro deste ano no mais importante Estado do País, São Paulo, uma Resolução
da lavra do Senhor Secretário da Segurança Pública, que além de insensata em
absoluto atropela nossas leis maiores, pondo em xeque a atuação da gloriosa polícia
paulistana que assim passa a praticar o crime de omissão de socorro. Da citada
Resolução todos os policiais do Estado de São Paulo que atendem nas diversas
ocorrências criminosas autores ou vítimas com ferimentos leves ou graves não
podem mais socorrê-los.
Tais pessoas, agora, necessitando de urgência ou não, obrigatoriamente
terão de ser resgatadas pelo SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) ou
pela equipe de emergência médica local.
As principais justificativas para
tal medida, pelo menos as divulgadas na mídia, seriam a preservação do local do
crime para a consequente perícia técnica, assim como, pelo fato de que muitas
vezes a polícia ao dar socorro ao bandido ferido termina por matá-lo dentro da
viatura antes da sua chegada ao Hospital, para tanto serviu de subsídio na
imprensa um caso em que supostamente um cidadão teria tomado dois tiros e após
ser socorrido pelos policiais chegou na Casa de Saúde, já morto, com três
perfurações provenientes de arma de fogo.
Dentro desse segundo contexto a
polícia deixaria de praticar crime de homicídio em alguns casos contra o
marginal ferido, entretanto, em contra partida, por dedução lógica, a partir de
então passaria tal Autoridade Pública a praticar o crime de omissão de socorro
que em conseqüência pode gerar a morte ou deixar seqüelas graves tanto no
próprio bandido ferido ou mesmo na vítima em agonia, seja ela criança, mulher
ou velho. Trocando em miúdos: o cidadão
é assaltado, toma um tiro ou é barbaramente espancado pelo marginal e precisa
de socorro urgente, daí chega a polícia, mas não pode socorrê-lo. Resguarda o
local do crime e espera pelo socorro médico que pode chegar logo ou pode
demorar o suficiente para que não dê mais tempo de um tratamento adequado.
Assim, tal Resolução, além de
ferir ainda mais a própria vítima então ferida, ainda fere de morte o nosso
Código Penal, fazendo com que os policiais pratiquem o crime de omissão de
socorro, senão vejamos o dispositivo pertinente:
Omissão de socorro
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando
possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à
pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não
pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se
da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a
morte.
E a razão de ser de tal
dispositivo penal encontra fundamento no princípio da dignidade da pessoa
humana, insculpido no Art. 1º, Inciso III, da Constituição Federal. A ninguém,
quanto mais a uma Autoridade Pública, é dado assistir passivamente ao martírio
de uma vítima, quando possível socorrê-la, mormente no caso de demora excessiva
da chegada da equipe do SAMU.
Adentrando no mérito das supostas
justificativas para tal medida, há de se observar que a preservação do local do
crime intacta, inclusive com a vítima exposta no lugar do fato, será desfeita
com a chegada do SAMU, a não ser que a perícia técnica chegue antes do socorro
médico, fato praticamente impossível de ocorrer vez que o contingente policial
civil é ínfimo para a grande quantidade de perícias a ser efetuadas, ademais, o
exame de corpo de delito na vítima é prova principal em tais crimes e isso deve
ser realizado no Hospital ou no Instituto Médico Legal posteriormente. Por fim,
de tudo há de se ponderar também que
a preservação do local do crime não se sobrepõe ao direito à vida e à saúde de
outrem.
No outro ponto, na questão das
supostas execuções de marginais dentro das viaturas policiais no trajeto do
Hospital, é bem sabido que as Corregedorias de Policia foram criadas para investigar
e corrigir os deslizes dos seus membros. Assim, tais justificativas nada
justificam a medida.
Certamente que uma Resolução provinda
de uma Secretaria de Estado não possui envergadura legislativa para abolir o
disposto na legislação federal vigente e na Constituição da República. Ou seja,
a inconstitucionalidade formal, além de material, também é latente, razão pela
qual tal medida não prosperará, entretanto, enquanto isso, vidas valorosas de
pessoas inocentes podem ser perdidas por conta dessa insensata Resolução.
Autor:
Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em
Gestão Estratégica de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br