Consta da história que o
sanguinário e impiedoso cangaceiro Zé Baiano, chefe de um dos grupos de
Lampião, atuava principalmente na região de Frei Paulo e adjacências, no nosso
querido Estado de Sergipe, inclusive era um rico bandido que tinha a audácia de
também ser um forte agiota, emprestando dinheiro a juros exorbitantes para
fazendeiros e comerciantes daquelas cercanias.
O famoso bandoleiro ferrador
Zé Baiano, apesar da sua feiúra em todos os sentidos, tinha o privilégio de ter
como companheira a mais linda e atraente das cangaceiras, Lídia. Contaram os
remanescentes do cangaço, mais de perto os então cangaceiros sobreviventes e
alguns ex-coiteiros e protetores de Lampião, que a linda Lídia era daquelas
mulheres de “fechar quarteirão”, de deixar todos os cabras-machos “babando” de
desejo, principalmente quando se apresentava saindo dos rios ou lagoas em vestido
molhado e colado ao seu estrutural corpo. Diziam ser um verdadeiro deslumbre de
se ver a cangaceira Lídia no seu andar provocante, mas infelizmente não há uma
fotografia dela sequer para assim comprovar tal beleza.
Por isso era admirada e
desejada por todos os cangaceiros, mas ninguém se atrevia a dar uma “cantada”
na moça, até porque, apesar de todos ali serem bandidos perigosos, havia muito
respeito dentro do acampamento. Essa era uma das regras impostas e prova
inconteste da liderança e comando de Lampião, ou seja, exigia o chefe, acima de
tudo, que todos se respeitassem mutuamente e que só houvesse sexo entre os
casais devidamente conquistados e efetivados. Além disso tudo, o próprio Zé
Baiano, pela sua crueldade, era dos mais respeitados dentro do bando e mais
ainda fora do acampamento, onde quer que chegasse. O seu nome fazia arrepiar e
tremer de medo qualquer um, talvez até mais do que o próprio Lampião que era
bem mais complacente. Um temível cangaceiro acostumado a ferrar mulheres com
ferro em brasa com as iniciais JB nos seus rostos, virilhas ou nádegas somente
pelo simples fato delas usarem cabelos curtos, maquiagens ou roupas decotadas.
Enfim, um psicopata impiedoso, ignorante em todos os sentidos que matava,
estuprava, roubava e torturava as suas vítimas sem dó ou piedade.
Ocorre, porém, que o desejo
da carne terminou sobrepondo todos os perigos possíveis e assim a linda
cangaceira Lídia terminou por ceder ou mesmo procurou os encantos do cangaceiro
conhecido por Bem-te-vi e com ele passou a cometer adultério em eloquentes e
quentes encontros sexuais dentro do mato quando da ausência de Zé Baiano no
acampamento. No entanto, o cangaceiro Besouro que também já estava de olho em
Lídia há algum tempo e até desconfiado que ela traia Zé Baiano com o Bem-te-vi,
certo dia seguiu os dois quando eles entraram disfarçadamente mato adentro,
pegando-os em flagrante na hora do ardente sexo. Daí fez uma proposta para a
Lídia que se ela também mantivesse relações sexuais com ele, o segredo ficaria
somente entre os três, caso contrário ele contaria tudo a Zé Baiano. Indignada,
a corajosa Lídia retrucou agressivamente com palavras de baixo calão o
cangaceiro Besouro e sua indecente chantagem.
Então, naquela mesma noite,
quando todos estavam reunidos em volta a uma fogueira, contando e recontando as
diversas histórias de Trancoso, histórias de assombração, histórias de botijas e
histórias diversas das guerras do cangaço, o bandido flagranteador Besouro provocou
a Lídia que apesar de tudo não arrefeceu mostrando força, coragem e
determinação mesmo sabendo que tal gesto poderia valer a sua própria vida.
Presentes estavam os maiorais
do cangaço que “lavaram as suas mãos” sem interferirem na decisão, a exemplo do
supremo chefe Lampião e de outros da sua inteira confiança como Corisco, Luís
Pedro, Moreno, Virginio e Labareda, além do próprio traído, cangaceiro Zé
Baiano. Corajosa, afoita, determinada, atrevida no atrevimento suicida das
mulheres decididas da época e até mesmo inconsequente para o momento, Lídia repeliu
o seu companheiro surpreso e enlouquecido de raiva e ódio, Zé Baiano,
exclamando em alto e bom som: Estive com ele, sim!... Que tem isso?... O que é
meu eu dou a quem quero!...
Enlouquecido em místico de
vergonha, raiva, ódio e desespero ao mesmo tempo, Zé Baiano arrastou Lídia até
uma árvore ali perto e após amarrá-la, matou-a impiedosamente a cacetadas e
depois chorou copiosamente a perda do seu grande amor, enterrando o seu tão
desfigurado corpo do que antes tinha sido uma linda mulher. Para ele a sua
honra fora lavada com o sangue da traidora. A partir de então Zé Baiano que já
era malvado ficou ainda pior, principalmente contra as mulheres.
Já o cangaceiro delator,
Besouro, foi morto ali mesmo por ordem de Lampião no momento em que Lídia disse
que ele assim tinha denunciado o fato em contrapartida dela não ter aceitado
também transar com ele. Por sua vez, o cangaceiro Bem-te-vi logo no início da
conversa, de um pulo, tratou de fugir na escuridão, mato adentro em desabalada
carreira para nunca mais se ter notícias dele.
Era um tempo atroz em que
não se aceitavam traições femininas em hipótese alguma e quem assim se atrevesse
a contrariar as regras pagava com a sua própria vida.
Autor: Archimedes Marques
(delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica
de Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br
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